AQUARIUS | Tempo, tempo, tempo, tempo


Trilha para o post: Taiguara – Hoje (Música tema do filme) 


“[…] És um senhor tão bonito

Quanto a cara do meu filho

Tempo, tempo, tempo, tempo

Vou te fazer um pedido

Tempo, tempo, tempo, tempo […]”

 – Trecho da música Oração ao Tempo, Caetano Veloso


Clara (Sônia Braga) é uma mulher de 65 anos, residente do prédio Aquarius, prédio este que pertencera a sua família. Todavia, uma grande empresa de engenharia está de olho nesse prédio a tempos e fará de tudo para conseguí-lo, mas para isso terá que enfrentar a força da grande heroína Clara, que só cederá perante a morte.

Um plot que, talvez, à primeira vista pareça simples demais, mas o filme é muito mais do que essa trama superficial. O resumo floreado acima é intencional, uma vez que Aquarius retrata as verdadeiras heroínas, começando com a tia de Clara que lutou durante a ditadura, depois a própria Clara que lutou contra o câncer e agora tem que lutar contra a empreiteira do mal.

A graça do filme está em desvendar as metáforas, se saborear com as músicas legitimamente brasileiras, lembrar-se de eventos em sua vida através de algum elemento do filme. E uma dessas grandes metáforas que o filme traz é o próprio prédio em que Clara mora. O prédio é ela, são sua recordações. A todo momento citam o fato dele estar velho, acabado, assim como poderiam falar sobre a própria personagem. Porém, ela não se sente assim, ela se sente viva, jovem, alegre, bem como vê o prédio. O que fica claro quando ela manda pintar a fachada do prédio, dando uma repaginada. Aquarius, o prédio, traz as marcas do tempo, o câncer, o que para alguns poderia representar coisas ruins, mas para Clara, representa ela mesma.

Quando você gosta é vintage, quando você não gosta é velho.

Aquarius, como todo bom filme brasileiro, representa o povo brasileiro em sua essência. Não por representar a classe mais baixa ou a classe mais alta, mas os trejeitos, os objetos, as músicas, as atitudes que acabam nos remetendo a algo em nossas vidas. Como, por exemplo, o almoço em família. O filme retrata seja o mais velho ou o mais novo, o mais pobre ou o mais rico, a família tradicional, a família moderna, representa o brasileiro, porque isso é ser brasileiro, é essa pluralidade de cores, ideias, estilos, gostos…

O filme que não deixa de lado também, a música brasileira, representando um ode a MPB, não só pela trilha sonora ou pelo fato de Clara ser uma amante da música e escrever sobre tal assunto, mas o filme como um todo nos remete a esse gênero musical. Um gênero que marcou época, simples, delicado, atemporal… sinestésico.

Kleber Mendonça Filho, o diretor/roteirista de Aquarius, conseguiu trazer bem mais do que aquele plot simples do início do post. Ele conseguiu abordar temas como recordações, memórias, resistência, vida, tempo. Este último, que nos traz tanto medo. Temos medo de envelhecer, de perder alguém que amamos, mas não temos tempo de olhar para trás e ver o que nos trouxe até aqui.


“Todos os dias quando acordo

Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo”

– Trecho da música Tempo Perdido, Legião Urbana


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