AMORES EFÊMEROS | ERROS, DORES E SOFRIMENTOS




O cinema francês, desde sua época áurea, já nos ensinava que o amor não se trata de conto de fadas como Hollywood costumava e ainda costuma contar. O amor é complexo, não traz só alegrias, muitas vezes machuca, algumas vezes é efêmero. Por isso, muitas pessoas acabam optando por se fecharem para esse sentimento tão cruel. Um sentimento que deixa marcas profundas que nem sempre é possível esquecer.

Por não se tratar de um sentimento preto e branco, costumamos classificá-los em tipos diferentes. E na classe dos mais cruéis, sem sombra de dúvida está o amor passageiro. Um amor que chega tão rápido, mas deixa marcas eternas, um furacão. Em Hiroshima, Meu Amor encontramos esse mal. E como todo mal, é necessário encontrar uma cura. Nesse caso, o esquecimento.

O filme, que foi iniciado com a ideia de ser um documentário retratando as consequências do ataque a Hiroshima, não deixa ainda de relatar tais fatos e usá-los como chave em seu argumento. Emmanuelle Riva (ela mesma) é uma atriz francesa que vai à Hiroshima para participar de um filme e lá se encontra com Eiji Okada (ele mesmo), um arquiteto casado que se rende a seus encantos à primeira vista. Após uma noite de amor, eles se veem em um impasse após se darem conta que ela partiria no dia seguinte de volta à França. Eles devem deixar todos aqueles sentimentos para trás. Eles passam, então, a última noite se martirizando, pensando em tudo aquilo que eles passaram e deverá ser esquecido. O filme usa como base a metáfora entre o sofrimento de amor e o sofrimento da guerra, convidando a todos a esquecer o que te faz sofrer. Sem isso, a vida seria impossível. Embora a marca fique para sempre e o aprendizado também.

Outro filme que acabou utilizando-se dessa premissa em parte de seu argumento, sem deixar de ser original, foi Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, escrito magnificamente por autor de mesma alcunha, Charlie Kaufman (Anomalisa). Todavia, dessa vez, o desejo de esquecer os sofrimentos de amor, embora natural, é tratado como uma fraqueza, uma vez que as dores ou alegrias elas nos moldam como pessoas, moldam nossa história e nosso caráter. Então esquecer nossos sofrimentos é esquecer de parte de nós mesmos. Por exemplo, uma pessoa azarada, onde tudo de errado aconteça com ela (nada autobiográfico), ela não teria um passado.

"A experiência é o nome que damos aos nossos erros." - Oscar Wilde

É claro que um filme de Charlie Kaufman vai muito além desse argumento. O filme é complexo em sua montagem, com uma linha do tempo longe de ser linear, mas com elementos além dos de roteiro, como elementos da direção artística que servem de ferramentas de conexão para o espectador não se perder e ficar a todo momento focado na história e se emocionar por rios e mais rios, talvez oceanos de suores escorridos pelos olhos.

Em tempos mais modernos onde vemos uma sociedade voltada para os ideais helenistas, de uma busca incessante do prazer, Richard Linklater, pai do cinema americano mais francês de todos, consegue trazer um viés neoliberalista/helenista para a questão do amor efêmero em uma de suas grandes obras. Em Antes do Amanhecer, um casal acaba se encontrando em um trem, corações batem mais forte, respirações acelerados, mãos suadas. Eles têm apenas um dia para passarem juntos e em um surto de juventude irresponsável ou em um surto de juventude tentando aproveitar cada segundo de suas vidas sem pensar no futuro, pensando no agora, o depois, a gente corre atrás, resolvem se conhecer melhor. Porque não?! O diretor, conhecido por contar histórias de jovens tentando descobrir o mundo, descobrir a si mesmos, traz essa sua característica para esse filme.

A adolescência é como alguém saindo com um carro esportivo em uma estrada vazia. O piloto acelera ao máximo, sem querer perder um segundo sequer dessa estrada vazia. Até que, sem nenhum aviso, se depara com uma estrada toda esburacada, os freios não funcionam e, como em Thelma e Louise, um abismo nos espera logo a frente. É assim que sabemos que estamos na juventude. Nada, nem ninguém vai conseguir te preparar para o mundo lá fora. Você vai ter que descobrir os buracos sozinhos, tentar desviar deles e ainda tentar aproveitar cada minuto antes que chegue no abismo. É claro que você vai cair em alguns buracos, talvez furar alguns pneus, mas nunca parar o carro e deixar te pegarem. Essa é a juventude segundo R.L.


HIROSHIMA, MEU AMOR

Dirigido por Alain Resnais; escrito por Marguerite Duras; direção de fotografia, Sacha Vierny e Michio Takahashi; edição por Henri Colpi, Anne Sarraute e Jasmine Chasny; música por Georges Delarue; direção de arte, Esaka Mayo; produzido por Samy Halfon; distribuído por Zenith International. Preto e Branco.

Tempo: 88 minutos.

Elenco: Emmanuelle Riva (Ela), Eiji Okada (Ele), Stella Dassas (Mãe), Pierre Barbaud (Pai) e Bernard Fresson (Amante alemão).


ANTES DO AMANHECER
 
Dirigido por Richard Linklater; escrito por Mr. Linklater e Kim Krizan; direção de fotografia, Lee Daniel; edição por Sandra Adair; production designer, Florian Reichmann; produzido por Anne Walker-McBay; distribuído por Castle Rock Entertainment.

Tempo : 100 minutos.

Elenco: Ethan Hawke (Jesse) e Julie Delpy (Celine).


BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS

Dirigido por Michel Gondry; escrito por Charlie Kaufman, baseado na história de Mr. Kaufman, Mr. Gondry e Pierre Bismuth; direção de fotografia, Ellen Kuras; edição por Valdis Oskarsdottir; música por Jon Brion; production designer, Dan Leigh; produzido por Steve Golin e Anthony Bregman; distribuído por Focus Features.

Tempo: 108 minutos. 

Elenco: Jim Carrey (Joel Barish), Kate Winslet (Clementine Kruczynski), Kirsten Dunst (Mary), Mark Ruffalo (Stan), Elijah Wood (Patrick) e Tom Wilkinson (Dr. Howard Mierzwiak). 

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