A CHEGADA | Do Início ao Fim, do Fim ao Início

 Trilha sonora do Post: Max Richter - On the Nature of Daylight


“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.” ― Cora Coralina


A vida é cheia de chegadas e partidas e muitas vezes não damos a devida importância aos eventos que ocorrem nesse intervalo de tempo.

Louise Banks, uma professora de linguística, é convocada pelo governo a coordenar uma equipe de especialistas para traduzir as comunicações de uma espécie alienígena, que chega à Terra. Seu objetivo principal é entender os reais objetivos da chegada daquela espécie desconhecida à Terra.

Embora o trailer e até mesmo a sinopse do filme dê a entender que o filme parta mais para uma ficção científica comum, porém ainda interessante, o filme se propõe a ir muito além disso. Por isso, todos aqueles que poderiam estar, de certa forma, ressabiados quanto ao fato do diretor Denis Villeneuve (Incêndios, O Homem Duplicado, Prisioneiros…), conhecido por seus filmes mais dramáticos e de cunho filosófico, poderia fazer em um filme de ficção científica, podem ficar tranquilos.

Como o próprio diretor em entrevista afirmou, ele quis trazer uma ficção científica “suja”, mais pé no chão, realista, mas sem perder a essência de seus filmes: a fotografia marcante em seus filmes, trazendo um clima mais dramático; a excelência em atuações; a trilha sonora transcendental, grandioso, magnânimo na apresentação desses seres “superiores”; e claro, não poderia faltar uma bom e leve questionamento filosófico.


Trilha sonora: Max Richter (Ilha do Medo), Jóhann Jóhannsson  (Sicario, A Teoria de Tudo, Os Prisioneiros) – https://open.spotify.com/album/07dwFvc0yjd7N4K2SvxQUd


Em entrevista ao THR, Amy Adams afirma que o filme trata da relação dos humanos uns com os outros. Ela ainda continua, citando o diretor que ao falar sobre o filme com ela diz que o filme tem alienígenas, tem coisas de outro mundo, mas no fim é uma mãe contando sua história para sua filha. E isso é o que torna qualquer filme excelente, abordar assuntos mais filosóficos, emocionais, espirituais, entre outros, mas com uma roupagem diferente, atraente. Ou seja, aquela mulher ou homem que consegue ser bonito(a) e ainda ter conteúdo (o que nós todos almejamos encontrar).

Preciso dizer mais alguma coisa para fazer você levantar da frente desse seu dispositivo eletrônico e ir correndo comprar ingressos para esse filme?


ANÁLISE (Cuidado com os Spoilers)

Se você está nessa sessão, você é uma pessoa diferenciada. Não que quem tenha visto esse filme seja melhor do que as outras, mas é sim.

A Chegada é um filme baseado no conto Story of Your Life de Ted Chiang. Conto este, muito mais denso que o filme no que tange a ficção científica, por isso uma excelente indicação para fãs de Asimov, Star Trek… Todavia, o conto apresenta um tema bastante claro e bem definido, o embate entre o livre-arbítrio contra o conhecimento do futuro.  Os heptapodes, nome dado para se categorizar a espécie alienígena, apresentam uma noção física/matemática de se analisar o mundo diferente da dos humanos, o que é analisado de forma mais aprofundada no livro dando como exemplo o Teorema de Fermat. Em suma, Ted Chiang tenta mostrar que essa espécie alienígena ‘enxerga’ o tempo de maneira paralela, cíclica, onde é necessário conhecer o início e o fim antes de tomar uma decisão. Ideia essa, que também pode ser percebida quando a linguagem dos heptapodes é analisada. Ao contrário, nós humanos, vemos o tempo sequencialmente, numa abordagem sequencial, onde o AGORA é o único momento que conseguimos perceber.

Louise ao entender essa visão de mundo e tempo, passando a perceber passado, presente e futuro, ou seja, ela consegue perceber o futuro. Todavia, conforme aprendemos com Ted Chiang em seu conto, é impossível ter noção do futuro e ainda ter livre-arbítrio ou vice-versa (o que ratificaria a ideia de livre-arbítrio em algumas religiões). Louise vê-se então diante de um impasse: como seguir em frente sabendo que sua filha morreria jovem e que seu marido a abandonaria?

Mas afinal, nós todos não sabemos da efemeridade da vida e que um dia morreremos e passaremos por maus momentos? Como dizia Cora Coralina, “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”. Assim como no filme belga O Novíssimo Testamento também, essas obras têm o intuito de nos fazer seguir em frente apesar das adversidades, aproveitar cada momento como único. A Chegada mostra a história de uma mulher forte que apesar de saber de todas as dificuldades que passaria, aceitou seguir em frente, acreditando que cada pequeno momento de alegria lhe daria forças para enfrentar todos outros momentos de tristeza.

Além de todos esses aspectos presentes no filme adaptados do conto de Ted Chiang, o filme consegue também trazer elementos e questionamentos novos, tornando o filme tão complexo, intrigante e um fortíssimo concorrente a prêmios na categoria de roteiro adaptado. Entre um desses aspectos, está na preocupação com o mundo. A história convida a humanidade como um todo a pensar no futuro, pensar em nossas atitudes de hoje e o que elas vão acarretar no futuro do planeta e nos unirmos para que um mundo melhor seja possível.

Concluindo, vale também salientar uma comparação interessantíssima que podemos fazer entre esse filme com Sr. Ninguém, onde ambos são dois lados da mesma moeda. Moeda essa chamada livre-arbítrio. Enquanto A Chegada trata de uma situação em que um personagem se vê impedido de exercê-lo, sendo obrigado a enfrentar o destino reservado a ele; Sr. Ninguém, por outro lado trata da história de um personagem com a plenitude do livre-arbítrio em seu poder, onde cada pequena atitude o leva para um caminho diferente e ele se vê em uma constante escolha de Sofia.

Afinal, o que é mais fácil, fazer uma escolha que vai determinar o resto da sua vida ou saber seu futuro nada animador e aprender a conviver com isso? Deixe nos comentários também o que você mudaria se soubesse seu futuro.


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